terça-feira, 4 de dezembro de 2012

“Sociedade Disciplinar e Sociedade de Controle: o papel da Rede nas Relações de Poder e na Organização.”


A Sociedade Disciplinar e suas Ferramentas e a Sociedade de Controle e suas Novas Ferramentas
A Sociedade Disciplinar se constitui de poderes transversais que se dissimulam através das instituições modernas e de estratégias de disciplina e confinamento. A Sociedade de Controle é caracterizada pela invisibilidade e pelo virtualização junto às redes de informação.
No ambiente de trabalho, as mudanças nos modelos de gestão refletem a mudança no modelo de sociedade. Quando passamos da modernidade para a contemporaneidade, podemos inferir mudanças na forma como se organizam as relações de poder.
As relações que eram antes permeadas pela hierarquia, vigilância, autoridade e centralização do poder, passam a trabalhar sob uma perspectiva descentralizadora, onde a participação de todos é, não só esperada, como estimulada pelos núcleos que gerenciam os processos de gestão. A obediência cega, que evita o conflito, o questionamento, o embate, dá lugar a um processo educativo e inclusivo, que além de gerar nas organizações o sentimento de pertencimento à instituição, também gera o senso de responsabilidade, posto que se todos participam da gestão, a responsabilidade é de todos. Um reflexo, talvez, da própria democracia, uma forma de governo que marca, em grande parte do globo, o nosso tempo.
Além da participação nas decisões e a divisão das responsabilidades, há a perspectiva da impossibilidade de controle centralizado. Os espaços de convivência são muitos, múltiplos e com configurações plurais e infinitas. E além dos espaços físicos, hoje vivemos sob a perspectiva de um espaço virtual que influencia as relações e os julgamentos fora dele. A vigilância entre pares, nova forma de controle da sociedade, é fortalecida com a criação de uma rede virtual alimentada pela vaidade, culminando na disputa pelo poder, transpassada pela dificuldade que o ser humano tem de lidar com a própria solidão.
Se tomarmos como premissa que a Sociedade de Controle é uma evolução da Sociedade Disciplinar, podemos afirmar que a criação da rede virtual e seus desdobramentos (mercado, relações, novos modos de subjetivação) é um marco histórico. E hoje é um dos ambientes onde as relações de poder se estabelecem com facilidade, rapidez e alcance incontroláveis. A própria rede é detentora de um poder ainda incalculável. Só de pensarmos na possibilidade de acordarmos em uma determinada manhã sem a rede, podemos imaginar o caos que se instalaria em todas as esferas da sociedade.

Analítica do Poder, o Estado e a Rede
A proposta de Foucault para uma análise das relações de poder nega a necessidade de disputas baseadas em uma oposição binária: dominados e dominadores. Segundo Foucault (1979, apud MAIA, Tempo Social, 1995, p. 87)  “Deve-se, ao contrário, supor que as correlações de forças  múltiplas que se formam e atuam nos aparelhos de produção, nas famílias, nos grupos restritos e instituições, servem de suporte a amplos efeitos de clivagem que atravessam o conjunto do corpo social. Estes formam, então, uma linha de força geral que atravessa os afrontamentos locais e os liga entre si; evidentemente, em troca, procedem as redistribuições, alinhamentos, homogeneizações, arranjos de série, convergências, desses afrontamentos locais.” A partir daí, não há como negar que as organizações advindas das relações pelas redes sociais constituem a expressão máxima desta ideia. Manifestações políticas que surgem em pequenas comunidades e que, através da possibilidade de comunicação ilimitada, tomam corpo e ganham uma proporção gigantesca, buscando alianças em outras comunidades, grupos, e que através da transversalidade conseguem fortalecer a própria rede, retroalimentando-se. Um dos exemplos mais consistentes é a chamada “Primavera Árabe”. Além do enorme alcance para a mobilização e organização das pessoas em manifestações contra os governos, a publicação de imagens e relatos na rede impede o segredo. É o controle entre pares na esfera das nações. A opinião pública pesa, e a pressão social exercida na rede hoje pode ser mais poderosa que um exército. O Estado, expressão máxima da organização disciplinadora, resiste, mas acaba por ser dissuadido, influenciado, transformado em outro tipo de Estado, a partir desta nova configuração do poder da sociedade.

A Rede dentro da Organização e a Organização dentro da Rede
A influência das redes sociais nas organizações ultrapassa os limites da vida individual e chegam até sua representação no mercado. O sujeito que participa de um processo seletivo para trabalhar em uma empresa tem sua imagem perante a sociedade avaliada de acordo com investigações na rede. O consumidor final do produto da empresa é consultado para fins de melhorias no produto final com o auxílio da rede. A empresa é avaliada pelo candidato a uma vaga com base em dados colhidos na rede. Por isso, quando falamos que a disciplina (base sob a qual se edificou a Sociedade Disciplinar) foi interiorizada neste novo modelo (Sociedade de Controle), não há como negar que as relações de poder na sociedade contemporânea ganham, no espaço virtual, condições de expressão máxima desta nova configuração de exercício do poder. Este é exercido fundamentalmente por três meios globais absolutos: o medo, o julgamento e a destruição.  Tudo o que você faz, diz ou escreve está exposto à ser publicado na rede e usado contra você.
Em contrapartida, tudo o que você faz, diz ou escreve, pode ser publicado e usado a seu favor. O projeto de Foucault também abandona uma visão tradicional do poder onde sua atuação se baseia fundamentalmente em aspectos negativos: proibindo, censurando, interditando, reprimindo. Segundo ele (1979, apud MAIA, Tempo Social, 1995, p. 86) “o que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como a força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso”. É neste sentido que as redes sociais ganham força, adeptos, e fomentam diversos tipos de usos. A rede ganha poder. Mas, ao mesmo tempo, para o indivíduo, ela também pode ser um espaço de criação, de subjetivação, de criação imagética. E é um espaço de resistência do sujeito, onde ele é capaz de lutar contra o que o esmaga. Apesar dos pesares, a Rede é um espaço de vida para o sujeito, para o coletivo e para a organização. Apesar de deter todo este poder, é só por conta da liberdade de seus usuários que nela existe todo o potencial de revolta, revisitando novamente o fundamento da projeto de Foucault, e justificando uma análise cada vez mais profunda de sua representação nas configurações das relações sociais na contemporaneidade.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Sociedade Disciplinar e Sociedade Controle




A mudança no modelo de sociedade, quando passamos da modernidade para a contemporaneidade, envolve mudanças na forma como se organizam as relações de poder. De uma sociedade vista por Foucault como “Disciplinar”, para um modelo de sociedade identificada por Gilles Deleuze (1992) como de “controle”. Hoje, encontramo-nos num momento de transição entre um modelo e outro. Estamos saindo de uma forma de encarceramento completo para uma espécie de controle aberto e contínuo.
A esse novo modo de organização social chamamos de sociedade de controle, que de certa forma é uma evolução da sociedade disciplinar. Não que esta tenha deixado de existir, mas foi expandida para o campo social de produção. Segundo Foucault, a disciplina é interiorizada. Esta é exercida fundamentalmente por três meios globais absolutos: o medo, o julgamento e a destruição. Logo, com o colapso das antigas instituições imperialistas, os dispositivos disciplinares tornaram-se menos limitados. As instituições sociais modernas produzem indivíduos sociais muito mais moveis e flexíveis que antes. Essa transição para a sociedade de controle envolve uma subjetividade que não está fixada na individualidade. O indivíduo não pertence a nenhuma identidade e pertence a todas, é um ser global. Mesmo fora do seu local de trabalho, continua a ser intensamente governado pela lógica disciplinar.  
A forma cíclica e o recomeço contínuo das sociedades disciplinares modernas dão lugar à modulação das sociedades de controle contemporâneas nas quais nunca se termina nada, mas exige-se do homem uma formação permanente.
Enquanto a sociedade disciplinar se constitui de poderes transversais que se dissimulam através das instituições modernas e de estratégias de disciplina e confinamento, a sociedade de controle é caracterizada pela invisibilidade e pelo virtualização junto às redes de informação. Se nas sociedades disciplinares o observador deve estar de corpo presente e em tempo real a observar-nos e a vigiar-nos, nas sociedades de controle esta vigilância torna-se rarefeita e virtual. As sociedades disciplinares são essencialmente arquiteturais: a casa da família, o prédio da escola, o edifício do quartel, o edifício da fábrica. Por sua vez, as sociedades de controle apontam uma espécie de anti-arquitetura. A ausência da casa, do prédio, do edifício é fruto de um processo em que se caminha para um mundo virtual. 
É importante percebermos que na sociedade de controle, o aspecto disciplinar não desaparece, apenas muda a atuação das instituições. Os dispositivos de poder que ficam circunscritos aos espaços fechados dessas instituições passam a adquirir total fluidez, o que lhes permite atuar em todas as esferas sociais. Entre os princípios norteadores desta dinâmica, destaca-se a abolição do confinamento enquanto técnica principal disciplinadora.
As técnicas disciplinares originadas a partir do séc. XVIII destinavam-se a garantir que os indivíduos – por meio dos seus corpos – fossem submetidos a um conjunto de dispositivos de poder e de saber, baseados na vigilância permanente, na normalização dos seus comportamentos e na exposição a exames. Como forma de se produzir verdades sobre eles mesmos, essas práticas tinham como objetivo a extração máxima das potencialidades e, portanto, as instituições como escolas, fábricas, hospitais – entre outros – cumpriam um papel fundamental na implementação desses mecanismos, com o objetivo de tornar os indivíduos dóceis.
É neste sentido que a noção de confinamento, amplamente utilizada a partir do séc. XVIII, norteadora do funcionamento desses estabelecimentos, deixou de ser a estratégia principal do exercício do poder. O controle ao contrário, ultrapassa a fronteira entre o público e o privado. Aqui, reside um dos aspectos fundamentais na construção da passagem da sociedade disciplinar para a de controle: há um processo de instauração da lógica do confinamento, em toda a sociedade, sem que seja necessária a existência de muros que separem o lado de dentro das instituições do seu exterior.
Há uma vigilância contínua, concretizada pela propagação das câmaras espalhadas por toda a parte: no comercio, bancos, escolas e até mesmo nas ruas. Isto traz a dimensão da sociedade autovigiada. Uma vigilância intensificada pela disseminação de dispositivos tecnológicos de vigilância presentes até mesmo ao “ar livre”. Todos podem e querem espiar todos.
Se a principal premissa da sociedade disciplinar era fazer com que o indivíduo modelasse o seu comportamento, a partir da possibilidade de estar sendo vigiado por alguém, essa perspectiva transmutou-se. O que presenciamos na sociedade de controle é que houve uma espécie de incorporação da disciplina. A tal ponto, que os indivíduos podem estar sob os efeitos dos dispositivos disciplinares, independente, da presença de algum tipo de autoridade investida de poderes capazes de impor os procedimentos de poder e de saber.
A sociedade de controle redimensiona e amplifica os pilares constituintes da sociedade disciplinar.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

O Mito da Caverna e as Redes Sociais



No mito da caverna, este mundo sensível onde vivemos não é o mundo real. O mundo real é o mundo das ideias. O mundo sensível é uma cópia imperfeita do mundo das ideias, onde cada coisa tem sua ideia correspondente. Os prisioneiros que vivem no interior da caverna passam o tempo olhando sombras projetadas na parede. O verdadeiro mundo real, na alegoria, está do lado de fora: mundo do intelecto.
O que entendemos hoje como avanço nas relações sociais, afirmado por pessoas de todas as classes que utilizam as redes, lembra a analogia criada por Platão em A República. Porém, fazendo um movimento contrário, o uso abusivo das redes sociais é como um repuxo histórico, e pode estar nos levando de volta ao fundo da caverna.
As facilidades advindas da virtualização de algumas ações que não são prazerosas (pagar contas, declarar impostos, negociar) podem ser vistas como instrumentos que trazem qualidade de vida aos cidadãos. Mas, em tempos de uma sociedade que abusa de tudo para diminuir sua ansiedade e elaborar suas angústias (comida, drogas, exercícios, trabalho), é possível notar que há um exagero no uso das redes sociais com este mesmo caráter, como um alívio imediato e superficial para tensões muito profundas, que jamais se resolverão no espaço virtual. Neste sentido, as redes sociais podem ser consideradas um sucedâneo cultural, e enganando a todos faz com que acreditem que façam parte de algo especial... Ao ludibriar o internauta, que acredita estar sendo conduzido ao mundo das idéias, a rede imobiliza o seu grande potencial transformador e neutraliza seu poder resistência.
No mito de Platão, o mundo físico é uma cópia imperfeita do mundo das idéias. Para além das analogias, o mundo virtual, mito da contemporaneidade, é a cópia imperfeita da cópia imperfeita. 

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Caminho do meio




A forma com que você se relaciona com o seu corpo reflete o modo com que você se relaciona com o seu espírito. Por isso, se temos a pretensão de ter uma grande alma, precisamos ser delicados e cuidadosos com o nosso físico também. Respeitar os nossos limites é uma passo importante para estabelecermos uma troca mais equilibrada com o divino. 
Em contrapartida, quando sua alma está bem cuidada e recebe a atenção que lhe é devida, vemos os efeitos concretos em nosso corpo. Como se a beleza fosse um estado de espírito mesmo.
No mais, o resto acontece naturalmente, basta desejar com o coração e manter os olhos atentos!

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Reflexões em Psicologia - #001




A ideia de que a ignorância traz felicidade ou de que saber menos nos faz sofrer menos é muitas vezes cruel e busca, de forma egoísta e desprezível, fazer com que os que alcançaram certo grau de compreensão da realidade se eximam da responsabilidade de promover os saberes. Ignorar o que causa o sofrimento aumenta ainda mais a angústia do indivíduo. A ignorância nunca é benéfica, não traz felicidade, tampouco conforto ao espírito. Somente a lucidez pode nos conduzir ao equilíbrio, e, talvez, a partir daí, possamos encontrar alívio para os nossos sofrimentos.
Neste sentido, a psicologia se configura como uma prática libertadora. Somos impelidos a auxiliar cada ser humano a se parir novamente, várias vezes, durante sua existência. À luz do conhecimento de si mesmo e do mundo, vemos aumentarem as chances de encontrarmos um caminho para a felicidade. Pelo menos um caminho.

"E onde a sorte há de te levar?
Saiba o caminho é o fim, mais que chegar"
(Little Joy)

*aula com Patrícia Argollo Gomes

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Resenha AMOR SEM ESCALAS - Quem veio primeiro: O homem ou o trabalho?





Coincidentemente, assisti “Amor sem escalas”, pela primeira vez, em um hotel na serra gaúcha, durante uma viagem de trabalho que me consumiria quatro dias e três noites longe de casa. Nada comparado ao ritmo alucinante em que o personagem principal, Ryan Binghan (interpretado por George Clooney) vive com suas idas e vindas pelo mundo. Mas a minha mala com três mudas de roupa espalhadas pelo quarto criaram uma atmosfera sinérgica com o filme, e a catarse foi inevitável. Se pensarmos que o trabalho, hoje, ocupa um papel central e determinante na vida das pessoas, as histórias do filme nos dão excelentes oportunidades de analisar e contextualizar alguns conceitos que a Psicologia, à luz da perspectiva institucional/organizacional, nos oferece.

Trabalho
Ryan exerce uma função extremamente delicada na empresa onde trabalha: demite pessoas. Trabalha com metas, prazos, índices, parece muitas vezes frio e distante diante de algumas situações que levariam qualquer pessoa às lágrimas. Mas em muitas profissões passa-se por isso, não? Um médico, um agente funerário, um psicólogo, muitas vezes lidam com situações delicadas com uma distância necessária para ao acompanhamento do caso. Ryan, além disso, gosta do que faz, se sente satisfeito com isso, desenvolveu habilidades que o tornaram um dos melhores de sua área. Ryan é um funcionário dedicado, ambicioso e que se realiza através de sua profissão. Ryan criou raízes com a função que desempenha, ele é a sua profissão. Não tem casa, vive em aeroportos, hotéis, ministra palestras sobre como viajar com uma mala apenas.  Esse envolvimento que criou com a seu emprego, que lhe é tão caro, que lhe é tão especial, esse laço que ele sabe ser tão importante, esse pilar que direciona a vida de cada ser humano é justamente o objeto destruído em suas visitas. Porque Ryan reúne-se com as pessoas justamente para dizer-lhes que tudo acabou. E neste momento podemos dizer que estamos pisando em um terreno fértil para a investigação dos processos psicológicos inferidos nas relações de trabalho: a subjetivação.

Relação Homem-Instituição
Porque o subjetivo? Porque o que cria este laço entre o trabalhador e sua empresa vai muito além de um salário ou de uma ocupação. Óbvio que os fatores práticos estão envolvidos: um trabalhador é o que ganha, é o que fala, é o que veste, é o lugar onde trabalha, é o que a empresa é. Mas todos os desejos que surgem a partir da relação do trabalhador moldam e transformam essa pessoa a partir dessa relação homem-instituição. Neste momento podemos ver como o homem faz a instituição e, no revés desse movimento, como a instituição faz o homem. E talvez, neste momento, possamos também entender como essa díade constrói também a sociedade em que vivemos, pois todas as configurações sociais são moldadas, através dos tempos, pelo homem e suas instituições.

Filiação
Existe um momento no processo de demissão muito duro para a maioria dos personagens que são visitados por Ryan: o momento em que a pessoa entende que não fará mais parte daquele grupo, daquela empresa, daquela instituição. Esse sofrimento é agravado pelo grau de filiação que cada um desenvolveu durante os anos de trabalho na empresa. Esse laço, de pertencimento, de fidelidade, de dependência até, é o que faz com que as empresas também obtenham sucesso na administração de seu pessoal e de suas atividades. Porém, ao mesmo tempo que um grau intenso de filiação gera frutos bons para a empresa, no momento de um desligamento gerará um grande sofrimento àquele que perde seu lugar na organização.

Competência
O papel de Ryan é usar suas habilidades para garantir que este processo de desligamento gere menos sofrimento às pessoas demitidas e diminuir os custos que a empresa têm advindos deste processo. Podemos dizer que o conceito de competência está intimamente ligado à capacidade de aproveitamento nas situações de trabalho. Ou seja, cada situação trás ao momento uma determinada necessidade, e o sujeito competente é aquele que tem as habilidades e conhecimentos necessários para lidar com cada uma destas situações. Podemos afirmar que, a partir do momento em que Ryan demonstra obter sucesso na difícil empreitada de lidar com a frustração e a decepção do outro, lidar com os imprevistos do momento do desligamento (pois nunca pode saber como a pessoa irá reagir), é persuasivo e atinge geralmente suas metas (a concretização dos acordos propostos) e ainda cria uma atmosfera de esperança e renovação para algumas pessoas, temos um exemplo claro do desenvolvimento de competências para uma determinada função. Mas são competências para este cargo, nesta empresa, sob a perspectiva do filme. Por isso o conceito de competência é tão abrangente no cenário atual: cada perfil será elaborado de acordo com as necessidades de cada cargo, o que nos leva a um cenário que cada vez mais fomenta a liberdade para a criação e o espaço para o desenvolvimento pessoal de cada trabalhador de acordo com suas atividades e de acordo com suas competências.

A renovação
Durante a história, o personagem passa por situações que o obrigam a buscar uma certa renovação, reinventando alguns cenários, revendo alguns conceitos, reavaliando sua condição na empresa e suas atividades. A partir da reinvenção da relação que têm com o trabalho, acaba por transformar também sua vida, e neste ponto voltamos ao contexto homem-instituição. O trabalho faz o homem, o homem faz o trabalho. A história de uma vida talvez possa ser também a história de toda a humanidade.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

CIÊNCIA, FILOSOFIA E ARTE: quando o afeto encontra o conceito e transforma em percepção




O texto reproduzido a seguir foi publicado na EntreLinhas que comemora os 50 anos da regulamentação da profissão de Psicólogo no Brasil. Uma ótima leitura, um texto riquíssimo e que dá conta de explorar a nossa necessidade, como acadêmicos ou já profissionais da psico, de diálogo com várias áreas do conhecimento humano. De alguma forma, já temos consciência de que só ampliando nossos olhares poderemos dar conta de uma prática multi, pluri e libertária. A dica foi da ótima Patrícia Kirst, minha professora na Ulbra.

Boa Leitura! 


CIÊNCIA, FILOSOFIA E ARTE: quando o afeto encontra o conceito e transforma em percepçãoTÂNIA GALLI ¹


Diante da data em que comemoramos os 50 anos da regulamentação da Psicologia como profissão, não seria demasiado lembrar o sentido que as datas assumem em nossas considerações:  elas apenas indicam um ponto, um pequeno ponto de uma memória que não pode  ser resumida e sequer reduzida a um ponto originário. Datas sempre são indícios de acontecimentos extemporâneos, expressam uma faceta daquilo que foi possível trazer à existência dentre a multiplicidade de devires que todo acontecimento contém. As datas são efeitos desdobrados de um  acontecimento, tornam-se históricas porque assinalam nossa sede de origens, mas, na verdade, devem ser consideradas como aquele pico brilhante que, tendo sido efetuado, segue à tona, nos apontando para algo que se produziu como possível a partir de um imenso acontecimento. As datas não assinalam uma origem, não mostram heróis e gênios inspirados; elas contemplam a direção possível de uma evolução criadora de uma multidão anônima. Referem-se sempre à expressão seletiva que podemos recolher de um combate discursivo que se travou. As datas, nada mais são do que signos a serem colocados no mundo, uma espécie de enigma dos nascimentos e das existências, cuja tradução poderá se viabilizar por diversas direções no sentido de fazê-las durar ou extinguir-se. A data aparece para ser desnaturalizada de suas aparências presentes, sendo um nó problemático que aponta antes do que foi para aquilo que virá a ser. Um aniversário e sua comemoração, antes de tudo, referem-se àquilo que está por vir, que está por se expandir, que está por evoluir de forma criadora. Assim, as comemorações não se reduzem ao que foram, mas abrem-se ao que virá. Comemorar talvez pudesse vir a ser o que está por devir em nossas vidas, em nosso mundo e em nosso trabalho ativo. Trata-se, portanto, de comemorarmos o “ainda não”, bem como a nossa persistência pelas singularizações; comemorarmos um futuro que, já estando aí, pode nos tornar testemunhas de nosso tempo e construtores da história de nosso presente. Agora, a luta por conquistas no espaço discursivo de nossa ciência e profissão se de entre as posições que tomamos frente ao viver e ao morrer das formas, frente ao problema das origens filiativas-mnemônicas e de seus incessantes começos rizomáticos. Dá-se, enfim, como combate entre sossegados e desassossegados com as verdades e ideais pronunciados como naturezas do mundo e dos homens. Para suas invenções, os desassossegados forjam estilísticas, convocam diálogos para elementos que não pertencem à psicologia, porque se evadem, em busca de coragem,  para o campo da filosofia e das artes. Buscam recursos expressivos em domínios da não-psicologia, fazem dialogar conceitos, autores e épocas em um tom atmosférico que transforma a discursividade tradicional da academia para além dos estritos caminhos de uma cognição racionalista. Realizam uma espécie de reencantamento do concreto e, não sendo poetas e romancistas, tampouco filósofos e artistas, buscam ultrapassar, desde sua condição de acadêmicos, os limites linguísticos de sua disciplina, o que significa superar suas próprias barreiras identitárias.  Falamos e construímos um momento de defesa de diálogos transdisciplinares que provocam encontros entre as estruturas e o tempo, entre arquivo e testemunho, entre história e devir. Falamos dos campos da filosofia e das artes que instigam a percebermos para além de nosso sensório-motor, dirigidos aos deslocamentos do tempo, ao movere que, como elemento do mundo, nos torna videntes de outras visões pelas quais podemos acessar grandes e sutis misérias e grandezas imperceptíveis ao nosso olho nu e ordinário. Há 50 anos, dificilmente esse tema de diálogos entre Ciência, Filosofia e Arte nos ocuparia. Sua emergência assinala-se como parte das grandes transformações ético-estéticas e políticas pelas quais passa nossa Psicologia como ciência e profissão. Sublinhamos, assim, que entrelaçar os referenciais da ciência com aqueles advindos das artes e da filosofia procede de um plano que nos supera como indivíduos e que nos torna sujeitos de uma outra formação discursiva sobre a verdade do mundo e dos homens. Trata-se de apontar para a espetacular multidão anônima que tece seus modos de conhecer por meio de rizomas a-centrados, fugidios, fragmentários e cavados na terra, como expressão máxima de um esforço para fazer perseverar a vida, ali mesmo onde ela convoca novas resolutibilidades.  A imagem-mundo produzida por meio de reconhecimentos, calcada em percepções totalizantes e unificadas, imagem interessada e representável parece ter chegado ao seu cansaço. Hoje, a partir de conhecimentos que nos mostram o mundo para além de nossas formações psíquicas, que apontam para um fora do sujeito que somos e de nossa própria linguagem, nos possibilitam e mesmo exigem um esforço para o plano do esgotamento daquilo que ainda resta a dizer, daquilo que pode elevar nossa cognição ao plano de um empirismo transcendental.  A ruína do paradigma cientificista, universalizante, neutralizante e representacional nos atira a um novo plano de buscas para talvez vir a reconciliar nosso pensamento com a própria vida em sua expressão máxima. Trata-se de nos sabermos artífices de nosso mundo e também de nossa disciplina, pois esta, a Psicologia, será sempre expressão daquilo que nós próprios somos, tornado-se um gênero do conhecimento humano mais ou menos permeável aos diversos estilos de seus tradutores e produtores.

¹ Graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, mestrado em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Pós-doutorado pela Universidade de Lisboa. Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, docente e pesquisadora dos Programas de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional 
e de Informática na Educação. Atua a partir dos referenciais da filosofia da diferença nos temas tempo e subjetividade, corpo-arte-clínica, trabalho e tecnologias com ênfase nos processos de resistência e criação.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

A Saga da Mediocridade




O medíocre sempre começa a falar pedindo desculpas. Ele não tem convicção sobre nada do que pensa, fala ou faz, porque tudo o que pensa, fala ou faz não é inteiro, não é verdadeiro. O medíocre é uma cópia mal produzida de si mesmo, da sua própria incapacidade de ser por completo, e seu repertório é uma fala mal ensaiada que, há anos, exibe sem pudor. Seu ego é frágil, incapaz, mas e ele insiste em chamar atenção mesmo às custas de despertar a pena alheia. Ele não percebe a pena alheia. O medíocre só percebe a si mesmo. Ele acredita na sua genialidade medíocre, e coloca tudo na vitrine, até os rascunhos vazios.
Dê dinheiro ao medíocre e uma espécie de mau gosto nojento e soberbo saltará aos olhos de todos, suscitando o asco nos corações alheios, destruindo os sorrisos. Dê poder ao medíocre e ele consegue ser desleal até com as baratas que habitam o vão entre a cama e a parede do seu apartamento. O medíocre gosta das baratas, porque ninguém gosta delas. Dê sucesso ao medíocre e ele sucumbe sozinho, porque ninguém vai ter nem coragem de puxar o seu tapete, pois que chutar cachorro morto é fácil, difícil é manter-se sóbrio.
Essa espécie, cada vez mais presente, talvez seja um mal necessário. É a partir da observação do medíocre que às vezes criamos coragem pra produzir algo que exista no mundo, para o mundo, com o mundo. A reflexão sobre a mediocridade já é um largo passo. E talvez o desejo de não me tornar um deles seja o momento a partir do qual eu deixe de ser  mais um medíocre.