A Sociedade Disciplinar e suas Ferramentas e a Sociedade de Controle e suas Novas Ferramentas
A Sociedade Disciplinar se
constitui de poderes transversais que se dissimulam através das instituições
modernas e de estratégias de disciplina e confinamento. A Sociedade de Controle
é caracterizada pela invisibilidade e pelo virtualização junto às redes de
informação.
No ambiente de trabalho, as mudanças
nos modelos de gestão refletem a mudança no modelo de sociedade. Quando
passamos da modernidade para a contemporaneidade, podemos inferir mudanças na
forma como se organizam as relações de poder.
As
relações que eram antes permeadas pela hierarquia, vigilância, autoridade e
centralização do poder, passam a trabalhar sob uma perspectiva
descentralizadora, onde a participação de todos é, não só esperada, como
estimulada pelos núcleos que gerenciam os processos de gestão. A obediência
cega, que evita o conflito, o questionamento, o embate, dá lugar a um processo
educativo e inclusivo, que além de gerar nas organizações o sentimento de pertencimento
à instituição, também gera o senso de responsabilidade, posto que se todos
participam da gestão, a responsabilidade é de todos. Um reflexo, talvez, da
própria democracia, uma forma de governo que marca, em grande parte do globo, o
nosso tempo.
Além
da participação nas decisões e a divisão das responsabilidades, há a
perspectiva da impossibilidade de controle centralizado. Os espaços de
convivência são muitos, múltiplos e com configurações plurais e infinitas. E
além dos espaços físicos, hoje vivemos sob a perspectiva de um espaço virtual
que influencia as relações e os julgamentos fora dele. A vigilância entre
pares, nova forma de controle da sociedade, é fortalecida com a criação de uma
rede virtual alimentada pela vaidade, culminando na disputa pelo poder,
transpassada pela dificuldade que o ser humano tem de lidar com a própria
solidão.
Se
tomarmos como premissa que a Sociedade de Controle é uma evolução da Sociedade
Disciplinar, podemos afirmar que a criação da rede virtual e seus desdobramentos
(mercado, relações, novos modos de subjetivação) é um marco histórico. E hoje é
um dos ambientes onde as relações de poder se estabelecem com facilidade,
rapidez e alcance incontroláveis. A própria rede é detentora de um poder ainda
incalculável. Só de pensarmos na possibilidade de acordarmos em uma determinada
manhã sem a rede, podemos imaginar o caos que se instalaria em todas as esferas
da sociedade.
Analítica do Poder, o Estado e a
Rede
A
proposta de Foucault para uma análise das relações de poder nega a necessidade
de disputas baseadas em uma oposição binária: dominados e dominadores. Segundo
Foucault (1979, apud MAIA, Tempo Social, 1995, p. 87) “Deve-se, ao contrário, supor que as
correlações de forças múltiplas que se
formam e atuam nos aparelhos de produção, nas famílias, nos grupos restritos e
instituições, servem de suporte a amplos efeitos de clivagem que
atravessam o conjunto do corpo social. Estes formam, então, uma linha de força
geral que atravessa os afrontamentos locais e os liga entre si; evidentemente,
em troca, procedem as redistribuições, alinhamentos, homogeneizações, arranjos
de série, convergências, desses afrontamentos locais.” A partir daí, não há
como negar que as organizações advindas das relações pelas redes sociais
constituem a expressão máxima desta ideia. Manifestações políticas que surgem
em pequenas comunidades e que, através da possibilidade de comunicação
ilimitada, tomam corpo e ganham uma proporção gigantesca, buscando alianças em
outras comunidades, grupos, e que através da transversalidade conseguem
fortalecer a própria rede, retroalimentando-se. Um dos exemplos mais
consistentes é a chamada “Primavera Árabe”. Além do enorme alcance para a
mobilização e organização das pessoas em manifestações contra os governos, a publicação
de imagens e relatos na rede impede o segredo. É o controle entre pares na
esfera das nações. A opinião pública pesa, e a pressão social exercida na rede
hoje pode ser mais poderosa que um exército. O Estado, expressão máxima da
organização disciplinadora, resiste, mas acaba por ser dissuadido,
influenciado, transformado em outro tipo de Estado, a partir desta nova
configuração do poder da sociedade.
A Rede dentro da Organização e a
Organização dentro da Rede
A
influência das redes sociais nas organizações ultrapassa os limites da vida
individual e chegam até sua representação no mercado. O sujeito que participa
de um processo seletivo para trabalhar em uma empresa tem sua imagem perante a
sociedade avaliada de acordo com investigações na rede. O consumidor final do
produto da empresa é consultado para fins de melhorias no produto final com o
auxílio da rede. A empresa é avaliada pelo candidato a uma vaga com base em
dados colhidos na rede. Por isso, quando falamos que a disciplina (base sob a
qual se edificou a Sociedade Disciplinar) foi interiorizada neste novo modelo
(Sociedade de Controle), não há como negar que as relações de poder na
sociedade contemporânea ganham, no espaço virtual, condições de expressão
máxima desta nova configuração de exercício do poder. Este é exercido fundamentalmente por
três meios globais absolutos: o medo, o julgamento e a destruição. Tudo o que você faz, diz ou escreve está exposto
à ser publicado na rede e usado contra você.
Em
contrapartida, tudo o que você faz, diz ou escreve, pode ser publicado e usado
a seu favor. O projeto de Foucault também abandona uma visão tradicional do
poder onde sua atuação se baseia fundamentalmente em aspectos negativos:
proibindo, censurando, interditando, reprimindo. Segundo ele (1979, apud MAIA,
Tempo Social, 1995, p. 86) “o que faz com que o poder se mantenha e que seja
aceito é simplesmente que ele não pesa só como a força que diz não, mas que de
fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso”.
É neste sentido que as redes sociais ganham força, adeptos, e fomentam diversos
tipos de usos. A rede ganha poder. Mas, ao mesmo tempo, para o indivíduo, ela também pode ser um espaço de criação, de subjetivação, de criação imagética. E
é um espaço de resistência do sujeito, onde ele é capaz de lutar contra o que o
esmaga. Apesar dos pesares, a Rede é um espaço de vida para o sujeito, para o
coletivo e para a organização. Apesar de deter todo este poder, é só por conta da
liberdade de seus usuários que nela existe todo o potencial de revolta,
revisitando novamente o fundamento da projeto de Foucault, e justificando uma
análise cada vez mais profunda de sua representação nas configurações das
relações sociais na contemporaneidade.
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