quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

A DESCOBERTA DA SEXUALIDADE INFANTIL




Em suas investigações na prática clínica sobre as causas e funcionamento das neuroses, Freud descobriu que a grande maioria de pensamentos e desejos reprimidos referiam-se a con­flitos de ordem sexual, localizados nos primeiros anos de vida dos indivíduos. Em seus estudos, as experiên­cias de caráter traumático, reprimidas, que se configuravam co­mo origem dos sintomas atuais surgem de vivências na infância, e confirmava-se, desta forma, que as ocorrências deste período da vida deixam marcas pro­fundas na estruturação da personalidade. As descobertas colo­cam a sexualidade no centro da vida psíquica, e é postulada a existência da sexualidade infantil. Estas afirmações tiveram pro­fundas repercussões na sociedade puritana da época, pela con­cepção vigente da infância como "inocente".
Os principais aspectos destas descobertas são:
  • A função sexual existe desde o princípio da vida, logo após o nascimento, e não só a partir da puberdade co­mo afirmavam as idéias dominantes;
  • O período de desenvolvimento da sexualidade é longo e complexo até chegar à sexualidade adulta, onde as fun­ções de reprodução e de obtenção do prazer podem es­tar associadas, tanto no homem como na mulher. Esta afirmação contrariava as idéias predominantes de que o sexo estava associado, exclusivamente, à reprodução;
  • A libido, nas palavras de Freud, é "a energia dos instin­tos sexuais e só deles".
No processo de desenvolvimento psicossexual, o indivíduo tem, nos primeiros tempos de vida, a função sexual ligada à so­brevivência, e portanto o prazer é encontrado no próprio cor­po. O corpo é erotizado, isto é, as excitações sexuais estão loca­lizadas em partes do corpo, e "há um desenvolvimento progres­sivo que levou Freud a postular as fases do desenvolvimento se­xual em: fase oral (a zona de erotização é a boca), fase anal (a zona de erotização é o ânus), fase fálica (a zona de erotiza­ção é o órgão sexual), em seguida vem um período de latência, que se prolonga até a puberdade e se caracteriza por uma dimi­nuição das atividades sexuais, isto é, há um "intervalo" na evo­lução da sexualidade. E, finalmente, na adolescência é atingida a última fase, isto é, a fase genital, quando o objeto de erotiza­ção ou de desejo não está mais no próprio corpo, mas em um objeto externo ao indivíduo - o outro.
AS FASES DO DESENVOLVIMENTO PSICOSSEXUAL
Fase Oral – de 0 à 18 meses*
Desde o nascimento, necessidade e gratificação estão ambas concentradas predominantemente em volta dos lábios, língua e, um pouco mais tarde, dos dentes. A pulsão básica do bebê não é social ou interpessoal, é apenas receber alimento para atenuar as tensões de fome e sede. Enquanto é alimentada, a criança é também confortada, aninhada, acalentada e acariciada. No início, ela associa prazer e redução da tensão ao processo de alimentação.
A boca é a primeira área do corpo que o bebê pode controlar; a maior parte da energia libidinal disponível é direcionada ou focalizada nesta área. Conforme a criança cresce, outras áreas do corpo desenvolvem-se e tornam-se importantes regiões de gratificação. Entretanto, alguma energia é permanentemente fixada ou catexizada nos meios de gratificação oral. Em adultos, existem muitos hábitos orais bem desenvolvidos e um interesse contínuo em manter prazeres orais. Comer chupar, morder, lamber ou beijar com estalo, são expressões físicas destes interesses. Pessoas que mordicam constantemente, fumantes e os que costumam comer demais podem ser pessoas parcialmente fixadas na fase oral, pessoas cuja maturação psicológica pode não ter se completado.
A fase oral tardia, depois do aparecimento dos dentes, inclui a gratificação dos instintos agressivos. Morder o seio, que causa dor à mãe e leva a um retraimento do seio, é um exemplo deste tipo de comportamento. O sarcasmo do adulto, o arrancar o alimento de alguém, a fofoca, têm sido descritos como relacionados a esta fase do desenvolvimento.
A retenção de algum interesse em prazeres orais é normal. Este interesse só pode ser encarado como patológico se for o modo dominante de gratificação, isto é, se uma pessoa for excessivamente dependente de hábitos orais para aliviar a ansiedade.
Fase Anal - 18 meses à 3 anos anos e meio*
À medida que a criança cresce, novas áreas de tensão e gratificação são trazidas à consciência. É a fase em que as crianças geralmente aprendem a controlar os esfíncteres anais e a bexiga. A criança presta uma atenção especial à micção e à evacuação. O treinamento da toalete desperta um interesse natural pela autodescoberta. A obtenção do controle fisiológico é ligada à percepção de que esse controle é uma nova fonte de prazer. Além disso, as crianças aprendem com rapidez que o crescente nível de controle lhes traz atenção e elogios por parte de seus pais. O inverso também é verdadeiro; o interesse dos pais no treinamento da higiene permite à criança exigir atenção tanto pelo controle bem sucedido quanto pelos "erros".
Características adultas que estão associadas à fixação parcial na fase anal são: ordem, parcimônia e obstinação. Freud observou que esses três traços em geral são encontrados juntos.
Fase fálica – 3 anos e meio à 5 anos*
Bem cedo, já a a partir dos três anos e meio, a criança entra na fase fálica, que focaliza as áreas genitais do corpo. Freud afirmava que essa fase é melhor caracterizada por "fálica" uma vez que é o período em que uma criança se dá conta de seu pênis ou da falta de um. É a primeira fase em que as crianças tornam-se conscientes das diferenças sexuais.
O desejo de ter um pênis e a aparente descoberta de que lhe falta "algo" constituem um momento crítico no desenvolvimento feminino. Segundo Freud: "A descoberta de que é castrada representa um marco decisivo no crescimento da menina.
Freud tentou compreender as tensões que uma criança vivencia quando sente excitação "sexual", isto é, o prazer a partir da estimulação de áreas genitais. Esta excitação está ligada, na mente da criança, à presença física próxima de seus pais. O desejo desse contato torna-se cada vez mais difícil de ser satisfeito pela criança, ela luta pela intimidade que seus pais compartilham entre si. Esta fase caracteriza-se pelo desejo da criança de ir para a cama de seus pais e pelo ciúme da atenção que seus pais dão um ao outro, ao invés de dá-la a criança.
Freud viu crianças nesta fase reagirem a seus pais como ameaça potencial à satisfação de suas necessidades. Assim, para o menino que deseja estar próximo de sua mãe, o pai assume alguns tributos de um rival. Ao mesmo tempo, o menino ainda quer o amor e a afeição de seu pai e, por isso, sua mãe é vista como um rival. A criança está na posição insustentável de querer e temer ambos os pais.
Latência – 5 anos à puberdade*
Seja qual for a forma que realmente toma a resolução da luta, a maioria das crianças parece modificar seu apego aos pais em algum ponto depois dos cinco anos de idade e voltam-se para o relacionamento com seus companheiros, atividades escolares, esportes e outras habilidades. Esta época, da idade de 5, 6 anos até o começo da puberdade, é denominada período de latência, um tempo em que os desejos sexuais não-resolvidos da fase fálica não são atendidos pelo ego e cuja repressão é feita, com sucesso, pelo superego. " A partir desse ponto, até a puberdade, estende-se o que se conhece por período de latência. Durante ele a sexualidade normalmente não avança mais, pelo contrário, os anseios sexuais diminuem de vigor e são abandonadas e esquecidas muitas coisas que a criança fazia e conhecia. Nesse período da vida, depois que a primeira eflorescência da sexualidade feneceu, surgem atitudes do ego como vergonha, repulsa e moralidade, que estão destinadas a fazer frente à tempestade ulterior da puberdade e a alicerçar o caminho dos desejos sexuais que se vão despertando" (1926, livro 25 p. 128 na ed. bras.).
Fase Genital – Início da Puberdade à fase adulta.
A fase final do desenvolvimento biológico e psicológico ocorre com início da puberdade e o conseqüente retorno da energia libidinal aos órgãos sexuais. Neste momento, meninos e meninas estão ambos conscientes de suas identidades sexuais distintas e começam a buscar formas de satisfazer suas necessidades eróticas e interpessoais.
O complexo Edipiano
No decorrer dessas fases, vários processos e ocorrências sucedem-se. Desses eventos, destaca-se o complexo de Édipo, pois é em torno dele que ocorre a estruturação da personalida­de do indivíduo. Acontece entre 2 e 5 anos. No complexo de Édipo, a mãe é o objeto de desejo do menino, e o pai é o rival que impede seu acesso ao objeto desejado. Ele procura então assemelhar-se ao pai para "ter" a mãe, escolhendo-o como mo­delo de comportamento, passando a internalizar as regras e as normas sociais representadas e impostas pela autoridade pater­na. Posteriormente, por medo da perda do amor do pai, "desis­te" da mãe, isto é, a mãe é "trocada" pela riqueza do mundo social e cultural, e o garoto pode, então, participar do mundo social, pois tem suas regras básicas internalizadas através da iden­tificação com o pai.
Para as meninas, o problema é similar, mas na sua expressão e solução tomam um rumo diferente. A menina deseja possuir seu pai e vê sua mãe como a maior rival. Enquanto os meninos reprimem seus sentimentos, em parte pelo medo da castração, a necessidade da menina de reprimir seus desejos é menos severa, menos total. A diferença em intensidade permite a elas "permanecerem nela (situação edipiana) por um tempo indeterminado; destroem-na tardiamente e, ainda assim, de modo incompleto" (1933, livro 29, p.35 na ed. bras.).

[*] As fases do desenvolvimento psicossexual não são delimitadas com precisão, portanto todas as idades apresentadas são consideradas como “aproximadas” à fase de transição, e mudam de caso para caso de acordo com as vivências do sujeito.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Psicopatologia



A Psicopatologia e o ramo da ciência que trata da natureza essencial do adoecimento psíquico – suas causas, mudanças estruturais e funcionais associadas a ela e sua forma de manifestação. É uma párea de investigação importantíssima, visto que a saúde mental é determinante para a funcionalidade e plenitude do ser humano, influenciando e interferindo não só a vida dos indivíduos, mas também com sérios desdobramentos em seu meio social. É um conhecimento que se esforça por ser sistemático, elucidativo e desmistificante. Visando ser científio, não inclui critérios de valor, nem aceita dogmas ou verdades a priori.


Em diversas situações, os limites existentes entre a normalidade e a doença mental são tênues, elevando o grau de dificuldade na definição de tais conceitos. Porém, através da história, vemos também que o mais importante neste tipo de discussão é uma ampla avaliação acerca dos paradigmas que cercam o indivíduo envolvido em um psicodiagnóstico.
O que se pode afirmar com certeza é que hoje, a classificação de um sujeito como sendo normal ou não é determinante para a sua vida, o que implica em cuidados cada vez maiores no momento do diagnóstico. E, muitas vezes, essa classificação não vai gerar ou produzir maiores ou menores efeitos terapêuticos do que a própria terapia escolhida para ser utilizada no processo.

Um dos primeiros aspectos a serem observados diz respeito à neutralidade do profissional, para que durante as primeiras entrevistas ele não emita julgamentos de valores, que poderiam interferir no curso da avaliação.
Também é importante que o terapeuta tenha um SELF fortalecido, para que nçao confunda-se com o do paciente. Tal fortalecimento se dá através de uma boa psicoterapia, pois através do auto-conhecimento saberá identificar durante as entrevistas o que é seu e o que é do paciente.
E por último podemos citar o conhecimento teórico e a Supervisão Cínica, pois a revisão bibliográfica é imprescindível para o desenvolvimento do profissional da saúde mental.
Um bom profissional deve preparar-se com instrumentos INTERNOS (neutralidade, auto-conhecimento) e EXTERNOS (pesquisa e revisão bibliográfica, supervisão) atualizando-se constantemente, de maneira e estar sempre atendendo às demandas que surgirão em sua trajetória.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Dentro do abismo, dentro...



"Quem olha para fora, sonha e quem olha para dentro, acorda." (Jung)

É um processo doloroso, lento, como um parto que durasse anos. Talvez desde o nascimento, dedo a dedo de dilatação, até tomarmos coragem e começar a abrir os olhos. Depois de abertos, ainda cegos, somente vultos, é quase um penar, tropeços, quedas, a perda do equilíbrio.

Nítida a imagem, buscamos no mundo as respostas. Não vemos que lá fora só há perguntas, o compêndio de nossa própria existência está guardado lá dentro, bem no fundo do baú. Encontrar a chave não é fácil, mas tomar coragem para usá-la é terrificante, capaz de conduzir-nos à inércia total, de nos petrificar, como o olhar da Medusa.

Há quem diga que não tem medo desse acordar. Acho meio impossível não temer esses abismos. Sabe lá o que vamos encontrar em cada esquina do nosso inconsciente... Entre o médico e o monstro, qual dos dois te assusta mais? Hein, girl?

O pior é o pavor de virar pedra...

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

O QUE É A LOUCURA?



ALIENAÇÃO: Do latim alienatione 1 Ação ou efeito de alienar; alheação. 2 Cessação de bens. 3 Desarranjo das faculdades mentais. 4 Arrebatamento, enlevo, transporte. 5 Indiferentismo moral, político, social ou mesmo apenas intelectual. Alienação mental: loucura. (Dicionário Mochaellis, 2009)

Historicamente, no que se refere à loucura, o que mais chama a atenção é a transformação que a definição do conceito de “Alienação Mental” sofre durante o passar dos séculos. Mas, como sabemos, esse tipo de acontecimento é um fenômeno comum à todas as ciências, e a área da saúde mental não está imune à uma constante atualização de seus termos , conceitos e definições. Porém, quando lidamos com as ciências da saúde estamos lidando, no mais das vezes, com seres humanos, e todas essas mudanças acabam implicando em sérias conseqüências para nossa estruturação Social, moral e emocional. O homem é nosso mais delicado objeto de estudo, pois todo pesquisador acaba por usar sempre a si mesmo como objeto, passível de incorporar-se aos resultados de qualquer resultado de pesquisa.

Quando li pela primeira vez “O alienista”, cerca de 10 anos atrás, escapou-me o quanto as investigações acerca da loucura trouxeram conseqüências para todas as comunidades. Conseqüências capazes de atravessar séculos, a ponto de uma pessoa, na atualidade, sentir e perceber seus efeitos. É como se ouvíssemos, ainda hoje, nos próprios corredores da universidade, um eco distante, mas constante, profanando nossa posição tranqüila e acomodada diante dos desafios da Psicologia.

Em “A Grande Internação”, capítulo 2 do livro “A História da Loucura”, Foucault reproduz com competência e fidelidade a evolução do tratamento deferido aos doentes mentais e excluídos da sociedade européia. É importante ressaltar que o texto elucida que a evolução dos tratamentos acompanha a evolução epistemológica da loucura, muitas vezes alterando e revolucionando o paradigma cientifico da época, bem como seus desdobramentos sociais, morais, políticos e até mesmo econômicos nas civilizações alcançadas e organizadas por esses paradigmas. Sem descartar que, muitas vezes, tais transformações históricas poderiam ser consideradas como um retrocesso. Por exemplo, quando falamos das nuances de crueldade que envolvem o início do processo de isolamento e internação dos “pobres” europeus. Se no classicismo os loucos eram tratados com hospitalidade pela população, pois que “Deus os retirou a sanidade para que não cometessem pecado”, com a Reforma Luterana o doente mental começa a se transformar em problema social, junto com a grande quantidade de mendigos que habitavam os grandes centros da época. Se antes mereciam os louros da caridade cristã, a partir dessa época passam ser considerados responsabilidade de um estado laico, que na época, infelizmente, ainda não tinha uma visão humanista acerca de seus problemas com a população incapaz. Com o processo de isolamento, surgem grandes centros de internação, com graves problemas de abuso e sem qualquer enfoque na cura ou no tratamento adequado desses doente.

Voltando à grande questão inicial, sobre o que determina ou não o diagnóstico de uma alienação mental, chegamos na discussão central do livro “O Alienista”, no qual Machado de Assis conduz o leitos a reflexão sobre o tema, aproximando-nos a narrativa, ambientando a história em uma cidadezinha brasileira. As críticas do livro, é claro, vão muito além disso, mas o que mais chama a atenção é como o escritor, com habilidade sem precedentes, consegue demonstrar o quanto as questões sociais, e falo agora especificamente das questões de comportamento, puderam durante muito tempo também influenciar não só o diagnóstico, mas também suas terríveis conseqüências entre as populações: tratamentos abusivos, castrações de direitos, isolamento, são apenas algumas das retaliações da época. E especificamente na narrativa, o ponto culminante, a meu ver, é quando nosso Ilustríssimo Dr Simão Bacamarte passa a entender que todos aqueles que apresentam um comportamento diferente de um referencial, neste caso a maioria dos viventes, pode ser considerado insano. E pior ainda, quando mais da metade da população da cidade está sob custódia do hospício, óbvio que ele entende que o referencial passa a ser o oposto que imaginava que fosse, libertando assim todos os que até então estavam presos e encarcerando o restante da população. Não estamos longe de ver esse mesmo tipo de acontecimento no nosso dia-a-dia. Não falo de internações, por não ter ainda embasamento para tal afirmação. Mas não podemos negar que atualmente, qualquer um que apresente um comportamento “diferente” da maioria está à mercê da exclusão. Principalmente em uma sociedade que preza e valoriza cada vez mais moldes e fórmulas prontas, não incentiva o pensamento crítico, não valoriza a racionalização das construções sociais, e mais ainda em uma ciência que busca em vários momentos a normatização dos comportamentos, caso da psicologia apresentada em algumas linhas teóricas.