quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Sociedade Disciplinar e Sociedade Controle




A mudança no modelo de sociedade, quando passamos da modernidade para a contemporaneidade, envolve mudanças na forma como se organizam as relações de poder. De uma sociedade vista por Foucault como “Disciplinar”, para um modelo de sociedade identificada por Gilles Deleuze (1992) como de “controle”. Hoje, encontramo-nos num momento de transição entre um modelo e outro. Estamos saindo de uma forma de encarceramento completo para uma espécie de controle aberto e contínuo.
A esse novo modo de organização social chamamos de sociedade de controle, que de certa forma é uma evolução da sociedade disciplinar. Não que esta tenha deixado de existir, mas foi expandida para o campo social de produção. Segundo Foucault, a disciplina é interiorizada. Esta é exercida fundamentalmente por três meios globais absolutos: o medo, o julgamento e a destruição. Logo, com o colapso das antigas instituições imperialistas, os dispositivos disciplinares tornaram-se menos limitados. As instituições sociais modernas produzem indivíduos sociais muito mais moveis e flexíveis que antes. Essa transição para a sociedade de controle envolve uma subjetividade que não está fixada na individualidade. O indivíduo não pertence a nenhuma identidade e pertence a todas, é um ser global. Mesmo fora do seu local de trabalho, continua a ser intensamente governado pela lógica disciplinar.  
A forma cíclica e o recomeço contínuo das sociedades disciplinares modernas dão lugar à modulação das sociedades de controle contemporâneas nas quais nunca se termina nada, mas exige-se do homem uma formação permanente.
Enquanto a sociedade disciplinar se constitui de poderes transversais que se dissimulam através das instituições modernas e de estratégias de disciplina e confinamento, a sociedade de controle é caracterizada pela invisibilidade e pelo virtualização junto às redes de informação. Se nas sociedades disciplinares o observador deve estar de corpo presente e em tempo real a observar-nos e a vigiar-nos, nas sociedades de controle esta vigilância torna-se rarefeita e virtual. As sociedades disciplinares são essencialmente arquiteturais: a casa da família, o prédio da escola, o edifício do quartel, o edifício da fábrica. Por sua vez, as sociedades de controle apontam uma espécie de anti-arquitetura. A ausência da casa, do prédio, do edifício é fruto de um processo em que se caminha para um mundo virtual. 
É importante percebermos que na sociedade de controle, o aspecto disciplinar não desaparece, apenas muda a atuação das instituições. Os dispositivos de poder que ficam circunscritos aos espaços fechados dessas instituições passam a adquirir total fluidez, o que lhes permite atuar em todas as esferas sociais. Entre os princípios norteadores desta dinâmica, destaca-se a abolição do confinamento enquanto técnica principal disciplinadora.
As técnicas disciplinares originadas a partir do séc. XVIII destinavam-se a garantir que os indivíduos – por meio dos seus corpos – fossem submetidos a um conjunto de dispositivos de poder e de saber, baseados na vigilância permanente, na normalização dos seus comportamentos e na exposição a exames. Como forma de se produzir verdades sobre eles mesmos, essas práticas tinham como objetivo a extração máxima das potencialidades e, portanto, as instituições como escolas, fábricas, hospitais – entre outros – cumpriam um papel fundamental na implementação desses mecanismos, com o objetivo de tornar os indivíduos dóceis.
É neste sentido que a noção de confinamento, amplamente utilizada a partir do séc. XVIII, norteadora do funcionamento desses estabelecimentos, deixou de ser a estratégia principal do exercício do poder. O controle ao contrário, ultrapassa a fronteira entre o público e o privado. Aqui, reside um dos aspectos fundamentais na construção da passagem da sociedade disciplinar para a de controle: há um processo de instauração da lógica do confinamento, em toda a sociedade, sem que seja necessária a existência de muros que separem o lado de dentro das instituições do seu exterior.
Há uma vigilância contínua, concretizada pela propagação das câmaras espalhadas por toda a parte: no comercio, bancos, escolas e até mesmo nas ruas. Isto traz a dimensão da sociedade autovigiada. Uma vigilância intensificada pela disseminação de dispositivos tecnológicos de vigilância presentes até mesmo ao “ar livre”. Todos podem e querem espiar todos.
Se a principal premissa da sociedade disciplinar era fazer com que o indivíduo modelasse o seu comportamento, a partir da possibilidade de estar sendo vigiado por alguém, essa perspectiva transmutou-se. O que presenciamos na sociedade de controle é que houve uma espécie de incorporação da disciplina. A tal ponto, que os indivíduos podem estar sob os efeitos dos dispositivos disciplinares, independente, da presença de algum tipo de autoridade investida de poderes capazes de impor os procedimentos de poder e de saber.
A sociedade de controle redimensiona e amplifica os pilares constituintes da sociedade disciplinar.