A mudança no modelo de sociedade, quando passamos
da modernidade para a contemporaneidade, envolve mudanças na forma como se
organizam as relações de poder. De uma sociedade vista por Foucault como
“Disciplinar”, para um modelo de sociedade identificada por Gilles Deleuze (1992)
como de “controle”. Hoje, encontramo-nos num momento de transição entre um
modelo e outro. Estamos saindo de uma forma de encarceramento completo para uma
espécie de controle aberto e contínuo.
A esse novo modo de organização social chamamos de sociedade
de controle, que de certa forma é uma evolução da sociedade disciplinar. Não
que esta tenha deixado de existir, mas foi expandida para o campo social de
produção. Segundo Foucault, a disciplina é interiorizada. Esta é exercida
fundamentalmente por três meios globais absolutos: o medo, o julgamento e a
destruição. Logo, com o colapso das antigas instituições imperialistas, os
dispositivos disciplinares tornaram-se menos limitados. As instituições sociais
modernas produzem indivíduos sociais muito mais moveis e flexíveis que antes.
Essa transição para a sociedade de controle envolve uma subjetividade que não
está fixada na individualidade. O indivíduo não pertence a nenhuma identidade e
pertence a todas, é um ser global. Mesmo fora do seu local de trabalho,
continua a ser intensamente governado pela lógica disciplinar.
A forma cíclica e o recomeço contínuo das
sociedades disciplinares modernas dão lugar à modulação das sociedades de
controle contemporâneas nas quais nunca se termina nada, mas exige-se do homem
uma formação permanente.
Enquanto a sociedade disciplinar se
constitui de poderes transversais que se dissimulam através das instituições
modernas e de estratégias de disciplina e confinamento, a sociedade de controle
é caracterizada pela invisibilidade e pelo virtualização junto às redes de
informação. Se nas sociedades disciplinares o
observador deve estar de corpo presente e em tempo real a observar-nos e a
vigiar-nos, nas sociedades de controle esta vigilância torna-se rarefeita e
virtual. As sociedades disciplinares são
essencialmente arquiteturais: a casa da família, o prédio da escola, o edifício
do quartel, o edifício da fábrica. Por sua vez, as sociedades de controle apontam
uma espécie de anti-arquitetura. A ausência da casa, do prédio, do edifício é
fruto de um processo em que se caminha para um mundo virtual.
É importante percebermos que na sociedade de
controle, o aspecto disciplinar não desaparece, apenas muda a atuação das
instituições. Os dispositivos de poder que ficam circunscritos aos espaços
fechados dessas instituições passam a adquirir total fluidez, o que lhes
permite atuar em todas as esferas sociais. Entre os princípios norteadores
desta dinâmica, destaca-se a abolição do confinamento enquanto técnica
principal disciplinadora.
As técnicas disciplinares originadas a partir do
séc. XVIII destinavam-se a garantir que os indivíduos – por meio dos seus
corpos – fossem submetidos a um conjunto de dispositivos de poder e de saber,
baseados na vigilância permanente, na normalização dos seus comportamentos e na
exposição a exames. Como forma de se produzir verdades sobre eles mesmos, essas
práticas tinham como objetivo a extração máxima das potencialidades e,
portanto, as instituições como escolas, fábricas, hospitais – entre outros –
cumpriam um papel fundamental na implementação desses mecanismos, com o
objetivo de tornar os indivíduos dóceis.
É neste sentido que a noção de confinamento,
amplamente utilizada a partir do séc. XVIII, norteadora do funcionamento desses
estabelecimentos, deixou de ser a estratégia principal do exercício do poder. O
controle ao contrário, ultrapassa a fronteira entre o público e o privado.
Aqui, reside um dos aspectos fundamentais na construção da passagem da
sociedade disciplinar para a de controle: há um processo de instauração da
lógica do confinamento, em toda a sociedade, sem que seja necessária a existência
de muros que separem o lado de dentro das instituições do seu exterior.
Há uma vigilância contínua, concretizada pela
propagação das câmaras espalhadas por toda a parte: no comercio, bancos,
escolas e até mesmo nas ruas. Isto traz a dimensão da sociedade autovigiada.
Uma vigilância intensificada pela disseminação de dispositivos tecnológicos de
vigilância presentes até mesmo ao “ar livre”. Todos podem e querem espiar
todos.
Se a principal premissa da sociedade disciplinar
era fazer com que o indivíduo modelasse o seu comportamento, a partir da
possibilidade de estar sendo vigiado por alguém, essa perspectiva
transmutou-se. O que presenciamos na sociedade de controle é que houve uma
espécie de incorporação da disciplina. A tal ponto, que os indivíduos podem
estar sob os efeitos dos dispositivos disciplinares, independente, da presença
de algum tipo de autoridade investida de poderes capazes de impor os
procedimentos de poder e de saber.
A sociedade de controle redimensiona e amplifica os
pilares constituintes da sociedade disciplinar.
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