ALIENAÇÃO: Do latim alienatione 1 Ação ou efeito de alienar; alheação. 2 Cessação de bens. 3 Desarranjo das faculdades mentais. 4 Arrebatamento, enlevo, transporte. 5 Indiferentismo moral, político, social ou mesmo apenas intelectual. Alienação mental: loucura. (Dicionário Mochaellis, 2009)
Historicamente, no que se refere à loucura, o que mais chama a atenção é a transformação que a definição do conceito de “Alienação Mental” sofre durante o passar dos séculos. Mas, como sabemos, esse tipo de acontecimento é um fenômeno comum à todas as ciências, e a área da saúde mental não está imune à uma constante atualização de seus termos , conceitos e definições. Porém, quando lidamos com as ciências da saúde estamos lidando, no mais das vezes, com seres humanos, e todas essas mudanças acabam implicando em sérias conseqüências para nossa estruturação Social, moral e emocional. O homem é nosso mais delicado objeto de estudo, pois todo pesquisador acaba por usar sempre a si mesmo como objeto, passível de incorporar-se aos resultados de qualquer resultado de pesquisa.
Quando li pela primeira vez “O alienista”, cerca de 10 anos atrás, escapou-me o quanto as investigações acerca da loucura trouxeram conseqüências para todas as comunidades. Conseqüências capazes de atravessar séculos, a ponto de uma pessoa, na atualidade, sentir e perceber seus efeitos. É como se ouvíssemos, ainda hoje, nos próprios corredores da universidade, um eco distante, mas constante, profanando nossa posição tranqüila e acomodada diante dos desafios da Psicologia.
Em “A Grande Internação”, capítulo 2 do livro “A História da Loucura”, Foucault reproduz com competência e fidelidade a evolução do tratamento deferido aos doentes mentais e excluídos da sociedade européia. É importante ressaltar que o texto elucida que a evolução dos tratamentos acompanha a evolução epistemológica da loucura, muitas vezes alterando e revolucionando o paradigma cientifico da época, bem como seus desdobramentos sociais, morais, políticos e até mesmo econômicos nas civilizações alcançadas e organizadas por esses paradigmas. Sem descartar que, muitas vezes, tais transformações históricas poderiam ser consideradas como um retrocesso. Por exemplo, quando falamos das nuances de crueldade que envolvem o início do processo de isolamento e internação dos “pobres” europeus. Se no classicismo os loucos eram tratados com hospitalidade pela população, pois que “Deus os retirou a sanidade para que não cometessem pecado”, com a Reforma Luterana o doente mental começa a se transformar em problema social, junto com a grande quantidade de mendigos que habitavam os grandes centros da época. Se antes mereciam os louros da caridade cristã, a partir dessa época passam ser considerados responsabilidade de um estado laico, que na época, infelizmente, ainda não tinha uma visão humanista acerca de seus problemas com a população incapaz. Com o processo de isolamento, surgem grandes centros de internação, com graves problemas de abuso e sem qualquer enfoque na cura ou no tratamento adequado desses doente.
Voltando à grande questão inicial, sobre o que determina ou não o diagnóstico de uma alienação mental, chegamos na discussão central do livro “O Alienista”, no qual Machado de Assis conduz o leitos a reflexão sobre o tema, aproximando-nos a narrativa, ambientando a história em uma cidadezinha brasileira. As críticas do livro, é claro, vão muito além disso, mas o que mais chama a atenção é como o escritor, com habilidade sem precedentes, consegue demonstrar o quanto as questões sociais, e falo agora especificamente das questões de comportamento, puderam durante muito tempo também influenciar não só o diagnóstico, mas também suas terríveis conseqüências entre as populações: tratamentos abusivos, castrações de direitos, isolamento, são apenas algumas das retaliações da época. E especificamente na narrativa, o ponto culminante, a meu ver, é quando nosso Ilustríssimo Dr Simão Bacamarte passa a entender que todos aqueles que apresentam um comportamento diferente de um referencial, neste caso a maioria dos viventes, pode ser considerado insano. E pior ainda, quando mais da metade da população da cidade está sob custódia do hospício, óbvio que ele entende que o referencial passa a ser o oposto que imaginava que fosse, libertando assim todos os que até então estavam presos e encarcerando o restante da população. Não estamos longe de ver esse mesmo tipo de acontecimento no nosso dia-a-dia. Não falo de internações, por não ter ainda embasamento para tal afirmação. Mas não podemos negar que atualmente, qualquer um que apresente um comportamento “diferente” da maioria está à mercê da exclusão. Principalmente em uma sociedade que preza e valoriza cada vez mais moldes e fórmulas prontas, não incentiva o pensamento crítico, não valoriza a racionalização das construções sociais, e mais ainda em uma ciência que busca em vários momentos a normatização dos comportamentos, caso da psicologia apresentada em algumas linhas teóricas.
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