O texto reproduzido a seguir foi publicado na EntreLinhas que comemora os 50 anos da regulamentação da profissão de Psicólogo no Brasil. Uma ótima leitura, um texto riquíssimo e que dá conta de explorar a nossa necessidade, como acadêmicos ou já profissionais da psico, de diálogo com várias áreas do conhecimento humano. De alguma forma, já temos consciência de que só ampliando nossos olhares poderemos dar conta de uma prática multi, pluri e libertária. A dica foi da ótima Patrícia Kirst, minha professora na Ulbra.
Boa Leitura!
CIÊNCIA, FILOSOFIA E ARTE: quando o afeto encontra o conceito e transforma em percepçãoTÂNIA GALLI ¹
Diante da data em que comemoramos os 50 anos da regulamentação da Psicologia como profissão, não seria demasiado lembrar o sentido que as datas assumem em nossas considerações: elas apenas indicam um ponto, um pequeno ponto de uma memória que não pode ser resumida e sequer reduzida a um ponto originário. Datas sempre são indícios de acontecimentos extemporâneos, expressam uma faceta daquilo que foi possível trazer à existência dentre a multiplicidade de devires que todo acontecimento contém. As datas são efeitos desdobrados de um acontecimento, tornam-se históricas porque assinalam nossa sede de origens, mas, na verdade, devem ser consideradas como aquele pico brilhante que, tendo sido efetuado, segue à tona, nos apontando para algo que se produziu como possível a partir de um imenso acontecimento. As datas não assinalam uma origem, não mostram heróis e gênios inspirados; elas contemplam a direção possível de uma evolução criadora de uma multidão anônima. Referem-se sempre à expressão seletiva que podemos recolher de um combate discursivo que se travou. As datas, nada mais são do que signos a serem colocados no mundo, uma espécie de enigma dos nascimentos e das existências, cuja tradução poderá se viabilizar por diversas direções no sentido de fazê-las durar ou extinguir-se. A data aparece para ser desnaturalizada de suas aparências presentes, sendo um nó problemático que aponta antes do que foi para aquilo que virá a ser. Um aniversário e sua comemoração, antes de tudo, referem-se àquilo que está por vir, que está por se expandir, que está por evoluir de forma criadora. Assim, as comemorações não se reduzem ao que foram, mas abrem-se ao que virá. Comemorar talvez pudesse vir a ser o que está por devir em nossas vidas, em nosso mundo e em nosso trabalho ativo. Trata-se, portanto, de comemorarmos o “ainda não”, bem como a nossa persistência pelas singularizações;
¹ Graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, mestrado em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Pós-doutorado pela Universidade de Lisboa. Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, docente e pesquisadora dos Programas de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional e de Informática na Educação. Atua a partir dos referenciais da filosofia da diferença nos temas tempo e subjetividade, corpo-arte-clínica, trabalho e tecnologias com ênfase nos processos de resistência e criação.